Por Venâncio F. Chaúque
Resumo
Ao analisar a educação em Moçambique confrontamo-nos com uma característica dominante que, segundo as nossas observações, é dominada por um descanso "cognitivo" durante o acto da leccionação e de aprendizagem. Sendo assim, vemos a necessidade de buscarmos e reflectirmos sobre um caso não menos importante, do que devia ser referência da nossa acção pedagógica. Educar para transformar, ou seja, para moldar comportamentos e para agir (acção) devem constituir as tendências da educação racional que aqui apresentamos tendo em conta que a sociedade e cultura têm elementos fundamentais para o desenvolvimento humano e dum estilo educacional melhor. E isso não nos falta.
Enfim, a presente abordagem pretende ser reflexiva e sugestiva em volta desta realidade fazendo uma coadunância entre a realidade concreta e aquilo que devia ser.
Palavras - chave:
Prática educativa, Senso comum, Curiosidade ingénua, Curiosidade epistemológica, Pensar certo, Transformar (ção), Libertação das mentes.
Ao observarmos o tema acima estampado aparece-nos logo um exagero na designação e classificação do sistema educacional que se desenvolve. Na verdade, não se pretende pôr a baixo o valor e a importância da educação ministrada nas instituições escolares nacionais, pretende-se fazer uma analise e reflexão sobre o tipo de educação desenvolvida para um dado povo a que se destina (neste caso, moçambicano).
Muitas vezes sentimos orgulho de conhecer bem a história geral—e não é mau—, a filosofia ocidental—que é a que domina na maior parte das lições dadas nas nossas escolas—a história e as teorias pedagógicas, em pensarmos que conhecer a actualidade das nações desenvolvidas é o que conta mais esquecendo se do que está a ocorrer ao nosso lado ; em fim, em contemplar as belezas construídas pelos outros. A nossa prática educativa torna-se contemplativa. A verdade é que precisamos de partir dos factos simples (como dizia Coménius e Paulo Freire acredita nisso) da nossa vivência diária para os complexos resultante da força cognitiva e intuitiva que possuímos. Precisamos de transformar o senso comum, na qual reside uma curiosidade ingénua, em curiosidade epistemológica (Cfr. FREIRE, Paulo; 1996: 34/ 35); o que implica que ainda não há cultura—e se existe, em pouca escala—de escrever, interpretar o que é a vida diária dos nossos povos, ou seja, não há uma autonomia própria dos nossos professores, muito menos dos alunos e tampouco dos estudantes universitários devido a sua fraca capacidade de produção cientifica. Na verdade, o grande desfio que se tem nas nossas escolas é a necessidade de ensinar a pensar certo (Cfr. FREIRE, Paulo; 1996: 41) que irá ajudar mais na criação de capacidade de iniciativa, opção, reflexiva e crítica nos alunos de modo a transformar a realidade vivida nas diferentes etnias do país em pensamento útil.
Cada etnia, é uma realidade rica em valores e em ensinamentos importantes para o sistema educacional, de modo que haja uma «relação entre a educação e transformação da sociedade» (FREIRE e NOGUEIRA; 1993: 17). Este é um dos grandes objectivos ou finalidades da educação em Paulo Freire: a libertação dos povos. Diríamos libertação da consciência, do pensar e, por conseguinte, a implementação do seu pensamento. Dito isto por outras palavras, a educação não terminaria só no ensinar para saber, ganhar novos conhecimentos e encher a cabeça. Trata-se porém, de educar para agir, transformar «...porque uma aprendizagem, seja ela qual for (aquisição de conhecimentos, de competências , de aptidões para a comunicação oral ou escrita) deve ser concebida e Guida de modo a ter efeitos positivos nos campos do Saber, do Saber—Fazer e do Saber Estar (comportamentos económicos, métodos de trabalhos, etc.) das pessoas» (NIZA, Sérgio dir.; 1975: 80). Isto significa que a educação servir-nos-ia de “instrumento certo” para a melhoria do modus vivendi, ou seja, para a transformação positiva da sociedade através da valorização dos seus valores culturais, dos seus saberes tradicionais. Esses saberes (que se supõem ingénuos), através da educação escolar, sofreriam transformação por meio da reflexão crítica e análise pormenorizada e atenta, procurando enquadrá-los no contexto histórico cultural que se vive.
Só tendo em conta estas considerações é que estaremos a caminhar rumo a uma educação racional. Uma educação não abstracta, não sonhativa, mas que pretende ser demonstrativa a partir da realidade vivida nas comunidades e nas famílias.
É claro que tudo isto passa necessariamente da existência de professores preparados e, sobretudo, capazes de ajudar os alunos a reflectirem sobre a sua maneira de conceber o mundo, sobre a maneira como a sociedade percebe a realidade, em fim, a pensar certo acompanhado por um alto nível ético. Para atingirmos este objectivo é preciso se desgrudar da “pedagogia da porrada” - a qual privilegia a imposição, o intimidamento, a varra para fazer saber os alunos, criando medo neles e uma educação impositora. Ainda que encontremos alunos confusos e rebeldes, o professor não deve esquecer a sua missão dentro da sala de aulas: a de ajudar os educandos a construir o conhecimento. Este é um desafio que o professor educador deve considerar no seu dia-a-dia. Com a introdução do Novo Currículo, a pedagogia da porrada tende a diminuir, mesmo que ainda encontremo-la nalguns casos específicos/ raros.
Outros casos que são notórios estão relacionados com o pensamento mecânico que tende a dominar os sujeitos da praxes educativa. Um aspecto indispensável e próprio da prática educativa é a libertação humana em todas as suas facetas. E, ao usarmos o pensamento mecânico tornamos presos e não livres. Ao falarmos da liberdade, muitas vezes pensamos naquela relacionada com a libertação carnal, que se pode notar com facilidade, (por exemplo: a escravatura, o trabalho forçado…) a qual foram submetidos vários homens, mulheres e crianças africanas durante cinco séculos. A essa opressão já nos livramos. O essencial na prática pedagógica actual é o impulso para a libertação das mentes criando possibilidades para a expressão e execução das aspirações o que repercutirá com a liberdade económica.
A libertação do medo, dos preconceitos, do provincianismo, dos estereótipos constitui pano de fundo para a superação da indisponibilidade cognitiva e científica que se verifica.
Muitos estudantes e académicos não experimentam o gosto pela escrita, pela leitura e até pela conservação gráfica das culturas e civilizações africanas. É legitimo lutarmos pela elevação económica porém, é muito melhor construirmos o nosso estar no mundo desenvolvendo teorias, pesquisando ou estudando as situações reais em que vivemos para posteriormente superarmos as dificuldades e problemas que a sociedade enfrenta. Isto é o que deve ser essencial para a prática educativa local.
Pode se construir várias universidades, academias, institutos superiores mas se não houver a libertação mental, dos preconceitos, do provincianismo, não se alcançará o objectivo essencial da educação: desenvolver o ser humano integral e harmoniosamente de modo a construir formas de comportamentos ajustado às normas aceites na sociedade, formas de Estar e de Ser contribuindo activamente para o bem estar da sociedade.
O estudo e a pesquisa devem constituir a forma de estar e de ser dos estudantes e, principalmente dos académicos.
Bibliografia
FREIRE, Paulo;
Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Pratica Educativa.15° ed., São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996, 165 p.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano;Que Fazer: Teoria e Pratica em Educação Popular. 4ª ed., Petrópolis: Vozes, 1993, 68 p.
NIZA, Sérgio (dir.); Técnicas de Educação: Guia Pratico de Alfabetização Funcional. Lisboa: Editorial Estampa, UNESCO, Aura Carvalho (trad.), 1975, 249 p.